segunda-feira, 18 de janeiro de 2016
Nunca Gregório Gil tinha
imaginado que o seu insuperável
romance de amor
com Tininha Benzadeus pudesse
rebentar como um foguete de lágrimas.
Tinham-se conhecido, três
anos antes, na festa de aniversário
de um amigo comum. A conversa
de circunstância logo gerou uma
simpatia recíproca, simpatia tal que
combinaram encontrar-se no dia
seguinte, para um café e mais conversa.
Nesse segundo encontro
nasceu a vontade do terceiro, e do
terceiro brotou o desejo do quarto,
palavra aqui utilizada no seu sentido
numérico, depois o quinto, cada
vez ela admirava mais as qualidades
e modos dele, ele mais se entusiasmava
com os encantos dela,
não só físicos mas também.
Só à segunda quinzena de
encontros, cada um mais saboroso
que o anterior, Greg, diminutivo
que lhe colaram na adolescência e
que Tininha achou o máximo, só
passado esse tempo todo, ele
ousou estender-lhe a mão. E ela
estendeu a mão para a mão dele,
Depois a segunda mão dela estendeu-se
para a segunda mão dele.
Abreviando, passou outra quinzena
até se estenderem de corpo
inteiro no T1 do namorado. Esse
contacto de manifesta importância
acendeu a paixão a calores que
nem ele nem ela se julgavam capazes
de atingir, Tininha já só quis
sair do T1 de Greg quando ambos,
como sempre em perfeito acordo,
se mudaram para um T2.
O tempo corria, animado e
feliz. Segredavam mesmo que ti -
nham atingido o topo da felicidade,
mais era impossível. Engano,
nos dias seguintes iriam descobrir
que essa felicidade não parava de
aumentar. Mesmo quando Tininha
passou a bocejar durante declarações
de amor eterno com que
Greg não se cansava de a mimosear,
esse insignificante gesto não se
podia confundir com farrapo de
nuvem na claridade do céu. Foi
com sorridente estranheza que
Greg a observou, numa manhã de
sábado, a acomodar os trapinhos
na mala.
– Vamos viajar, amorzinho? –
quis saber, sem desmanchar o sorriso
E ela explicou:
– Tu ficas, querido. Contigo fica
a minha gratidão por todo este
tempo de plena felicidade que me
deste mas talvez tudo seja demasiado
perfeito, não sei, preciso de
partir para etapa nova na minha
vida.
– Tininha, Tininha, vais deixarme?
– gritou ele, entre incrédulo e
assustado.
Ela passou-lhe pelo rosto as
duas palmas das mãos que ele
tanto apreciava e disse:
– Não, Greg, eu não vou deixarte,
vamos deixar-nos, o que é diferente.
O nosso romance chegou ao
fim. Em alta.
Beijou-o nas duas orelhas e saiu,
com a mala e o sorriso meigo de
todos os dias.
Mesmo conhecedora de como
era intenso o amor que o agora dispensado
lhe votava, Tininha
Benzadeus não terá avaliado os
estragos. Homem de alta emotividade,
Greg perdeu a cabeça, não
posso viver sem ela, dizia-se a si
mesmo. Não posso viver sem ela e
não quero viver sem ela. Logo, o
que eu realmente quero é morrer.
Esta ideia horrível dominavalhe
qualquer esboço de serenidade
e decidiu, irrevogavelmente, pôr
fim aos seus dias. A dúvida estava
em como. Receou que lhe faltasse a
coragem para meter o pescoço no
laço de uma corda, nem pistola
tinha para um tiro em que fosse ele
o alvo. Mais simples seria se o
matassem, concluiu. E assim concluindo,
dirigiu-se de madrugada a
um arrabalde da cidade que, diziase
nos jornais, era palco frequente
de assaltos e homicídios. Por ali
andavam criminosos do piorio. Lá
foi e, corajosamente, desafiou os
malfeitores a que o matassem. Eles
riram-se muito, tiraram-lhe a carteira,
o relógio e o telemóvel, mas
quanto a violência não lhe deram
mais que pontapés no rabo. E ninguém
morre com pontapés no
rabo. Desolado, pensou noutra
forma de morte, o que ele não
suportava era a estranha forma de
vida, sem a Tininha. Optou, então,
pelos venenos. Correu a comprar
raticidas, insecticidas e tudo quanto
encontrasse de apropriado e sem
necessidade de receita médica.
Inclusive produtos usados na agricultura
para liquidar ervas dani -
nhas e bichos. De todos os venenos
deitou boa porção em copos separados
mas, em todas as provas, ao
primeiro contacto das beberragens
com o seu paladar apurado, vomitava
convulsivamente. Tomado
pelo desespero foi à varanda do
seu quinto andar dispostíssimo a
dar o salto para o além. Mas sofria
de vertigens. Mal se debruçara deu
um salto à retaguarda e insultou-se
com todos os nomes que lhe ocor -
reram: cobarde, medricas, medroso,
merdoso, caguinchas.
Sentou-se no chão, cabisbaixo,
só levantou os olhos quando sentiu
a porta a abrir-se.
– Voltei, Greg! Voltei para ti,
amor da minha vida!
Ele olhou-a, quis falar mas as
palavras não saíam, quis correr na
direcção dela mas as pernas não se
moveram, sentiu a comoção da felicidade
absoluta, levou as mãos ao
peito como para uma mensagem
de amor, e morreu. ■
P
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário