quinta-feira, 8 de outubro de 2020

 Vivências

Arrependido

Homem de estatura media, oriundo do meio rural, de trato fácil mas reservado, analfabeto, com sessenta anos feitos, recluso no Estabelecimento Prisional de Monsanto, em cumprimento de pena máxima por homicídio, na década dos anos sessenta, do século passado, quando atingiu a parte da pena exigida, e, dado o seu bom comportamento prisional, o Director do Estabelecimento Prisional, propô-lo para a concessão da liberdade condicional.

A proposta foi recebida no Tribunal de Execução de Penas, o processo foi instruído e seguiu termos normais, foi ouvido o recluso, que se mostrou muito agradado, foi proferida a sentença favorável ao pedido expresso e procedeu-se à notificação do arguido.

Após ser notificado, o arguido reuniu seus parcos haveres, recebeu o pecúlio a que tinha direito e saiu em liberdade, “ condicionada “.

Na paragem em frente ao Estabelecimento Prisional apanhou o autocarro da carreira número 11, seu destino era procurar familiares, que esperava encontrar, num bairro degradado, junto à Praça de Espanha, onde desceu.

Nos anos que esteve preso, e, foram muitos, toda aquela zona sofreu grandes alterações, onde era a antiga feira popular, estava e esta, a Gulbenkian, espaço totalmente diferente, o bairro onde ele esperava encontrar familiares, havia sido demolido e servia de estaleiro de obras em curso. Tudo mas mesmo tudo por ali estava diferente, para ele era desconhecido.

Consciente da sua condição de precária liberdade, na Avenida de Berna, numa casa de frutas existente, pegou num cacho de bananas, pô-las às costas e seguiu, logo foi barrado pelo dono do lugar que chamou a polícia, não ofereceu qualquer resistência, imediatamente foi detido.

Constituído o processo na Polícia de Segurança Pública, foi o detido levado à presença do Juiz que dois dias antes, lhe havia concedido a tão almejada  liberdade  condicional.

O detido foi ouvido pelo Juiz, mostrou-se arrependido, pediu para regressar à cadeia e ao serviço que lá costumava executar, ele fora o ordenança do director do Estabelecimento, estava mais tempo no exterior dos edifícios do que no interior dos mesmos. Disse mesmo ao Juiz: SIC “ Senhor Doutor Juiz, cumprirei o resto da pena, e, se possível prolongue-me a prisão, para que eu não saia de lá mais, sem familiares não saberei mais viver em liberdade “.

Voltou novamente à condição de recluso, para cumprir o que lhe faltava da pena, foram-lhe aplicados mais dois anos pela desobediência.

Do tribunal seguiu para o Estabelecimento Prisional de Monsanto e não mais fomos contactados.

 

Rio de Mouro 03-10-2020 – Francisco Parreira.

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