A criança do arco
Na década de
cinquenta, do século vinte, aquela criança perspicaz alegre e humilde, seguindo
a linhagem de família, vivendo no campo, rodeada de amigos para brincarem e
brincavam com tudo, porque tudo ou quase tudo, podia ser usado, nas brincadeiras,
desde que houvesse engenho e arte, qualidades que não faltavam àquele grupo.
Uma daquelas
crianças tinha um sonho, não para ser diferente, mas desejava ter o que nenhum
tinha, um arco e uma gancheta.
Perto havia
uma serralharia mista de ferro e madeira, onde trabalhavam dois senhores, o
José mestre nos trabalhos em madeira e o Gervásio o dono e mestre na moldagem
do ferro.
A criança,
zingarelho, como eles lhe chamavam, passava por lá diariamente, quando ia para
a escola ou quando vinha e muitos dias mais de uma vez, sempre que via um aro,
um pneu, ou um objecto circular, lá estava ela a simular um arco.
Eles
apercebendo-se do desejo que aquela criança tinha em ter um arco, um dia em que
havia menos que fazer, ou menos urgência em acabar algum trabalho, tinham a
forja a trabalhar, perguntaram-lhe se ela queria um arco, ela nem cabia em si
de radiante e disse que sim, já não saiu sem lhe fazerem o arco e a gancheta.
Aquela criança rejubilava ao ver aqueles
bocados de ferro tomarem formas, o primeiro foi o arco, que depois de estar
moldado em forma de arco, foi à forja de onde saiu com as pontas a juntar em
brasa, para serem batidos sobre a bigorna até estarem fundidas e coladas,
enquanto o arco arrefecia na água, foi moldada a gancheta e feito de um bocado
de madeira o cabo.
Dizia a
criança depois de ter o arco e a gancheta, que aquela tinha sido a melhor
prenda que recebera e que tinha sido o dia mais feliz da sua vida, que pelos
vistos ainda era curta.
A criança
ficou tão feliz com aquele brinquedo que não cabia em si de contentamento, que
quase não conseguia falar e dizer o que era aquilo e quem lho tinha dado,
assustando assim seus familiares.
Daquele dia
em diante, aquela criança era inseparável do seu arco e gancheta, fosse para onde
fosse, escola, fazer mandados ou brincar, fazia-se acompanhar daquele valioso
brinquedo. O que aquela criança vibrava ao ouvir o som da gancheta a roçar no
arco, aquela fricção de ferro com ferro para ela era uma música maravilhosa.
Com aquele arco ela fazia-o rodopiar, fazia-o ir para a frente e para trás,
percorria quilómetros e quilómetros por estradas, caminhos, veredas, carreiros,
trilhos ou mesmo regos.
Um dia
quando fazia com o arco uma corrida, numa descida em estrada de macadame, ladeada
por um matagal compacto composto de carrasqueiros, sargaços, daroeiras, tojos e
silvas, o arco bateu numa pedra solta, deu um salto tão alto e longo indo cair
no matagal. Por mais que ela sozinha ou acompanhada dos seus amigos o
procurassem, várias vezes durante alguns dias, não mais o conseguiram
encontrar.
O brinquedo
que mais alegria tinha dado aquela criança, foi o mesmo que lhe causou o maior
desgosto, que só com a camaradagem do grupo conseguiu superar.
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