sábado, 22 de novembro de 2014

ROMANCE INGÉNUO DE DUAS LINHAS PARALELAS

Duas linhas paralelas,
muito paralelamente,
iam passando entre estrelas
fazendo o que estava escrito:
caminhando eternamente
de infinito a infinito.

Seguiam-se passo a passo
exactas e sempre a par
pois só num ponto do espaço,
que ninguém sabe onde é,
se podiam encontrar,
falar e tomar café.

Mas farta de andar sozinha,
uma delas certo dia
voltou-se para a outra linha,
sorriu-lhe e disse-lhe assim:
«Deixa lá a geometria
e anda aqui para o pé de mim...»

Diz a outra: «Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
Se quisermos lá chegar,
temos de ir devagarinho,
andando sempre a direito
cada qual no seu caminho!»

Não se dando por achada
fica na sua a primeira
e sorrindo amalandrada,
pela calada, sem um grito,
deita a mãozinha matreira,
puxa para si o infinito.

E com ele ali à frente,
as duas a murmurar
olharam-se docemente,
e sem fazerem perguntas,
puseram-se a namorar,
seguiram as duas juntas.

Assim, nestas poucas linhas
fica uma estória banal
com linhas e entrelinhas
e uma moral convergente:
o infinito afinal
fica aqui ao pé da gente.


In “Eu Sou Português Aqui”
Edições Ulmeiro

José Fanha

Sem comentários:

Enviar um comentário