sexta-feira, 7 de novembro de 2014

ESTÓRIA DE INFÂNCIA
A  noite  estava demasiado quente, tal como tinha estado já o dia, como natural era naquela época do ano. Estávamos em Junho, mês dos santos populares,  altura do ano propícia a festas e bailes ao ar livre, bailes de adiafa pelo remate de um  trabalho, bailes de mastro por promessas religiosas  ou mesmo para comemoração dos próprios santos.
Aquele era um baile de mastro por promessa religiosa, um mastro enorme com  saia grande  e bem efeitado com flores e muitos bolos.
Estávamos na Quinta Nova, uma quinta não muito grande, muito bem tratada e com um lindo jardim repleto de flores, de várias cores e  qualidades,   destacando--se um lindo roseiral, no ar pairava um aroma inconfundível. Entre o jardim e o monte, um rua larga empedrada. O monte uma casa grande, bastante comprida de um só piso,  como eram todas em seu redor, caiada de branco com  barras azuis. Ao meio um portão largo em ferro,  a antrada principal.
O mastro estava colocado no centro da rua empedrada, empedrado este que naquela zona estava coberto de montrastos, fetos, alecrim e rosmaninho, sobre os quiais era praticado o baile, ao som da música da concertina.
Os donos da quinta eram pessoas de bem e muito conceituadas naquele meio rural, tal como bem conceituados eram os quinteiros, os promotores daquele mastro “ festa de arromba “ , onde por todo o lado haviam pratos com queijo, choriço, presunto, pão, bolos e bebidas.
Toda a gente das redondezas deve ter ido aquele baile, era gente por todo o lado, no local do baile quase não era possível passar, devido ao aglomerado de gente.
Eu e os meus amigos  de oito, nove e dez anos,  e outros que se juntaram a nós,  além dos bolos e pirolitos, queriamos era brincadeira. Com frequência  um ou outro ia perguntar as horas e saber dos familiares, voltando novamente para a brincadeira.
Chegou a hora de eu ir ver da minha mãe,  com quem tinha ido e saber as horas, e quando nos iamos embora.
Quando eu andava no meio daquele gentio a tentar localizar a minha mãe, vi um meu afastado parente, perguntei-lhe as horas e se tinha visto a prima, a minha mãe, ele respondeu-me: “ são onze, a tua mãe andou à tua busca e não te encontrou, pensou que tivesses ido com algum vizinho e já se foi embora”. Eu admirei-me mas como dei mais uma volta e não a vi, abalei sózinho. Estava um luar espectacular, logo que me afastei da zona do baile, só a sombra das árvores, o cantar dos ralos ou o ladrar do cães ao longe me faziam companhia.
Eu tinha forsosamente que passar  por um local, onde diziam que apareciam medos, contavam-se as estórias mais mirabulantes, era considerado um local medonho, onde pouca gente passava só, a altas horas da noite. Quanto mais me aproximava daquele lugar, mais mal me sentia, tinha frio, tinha calor, tinha suor, tinha não seio o quê, provavelmente  aquilo a que se chama medo. Entrei naquela área chamada paul, uma estrada de maquedame, ladeadas de frondosos eucaliptos, com tanta ramegem que nem uma luzerna do brilhante luar ali penetrava. Quando já caminhava na ponte, sobre o ribeiro ouvia correr a água do meu lado esquerdo, não a via mas sabia que ela lá estava, enchendo um lavadouro enorme com dez ou doze pedras, onde as mulheres iam lavar a roupa, do meu lado direito um enormissímo canavial,  neste preciso momento e rodeado por este cenário, no cimo dos eucaliptos uma coruja,  considerada por muitos “ ave do agoiro “ começa a piar, aquele pio que parece choro, tremi que “ nem varas verdes “, mas lá passei, já estava proximo de casa e foi numa só corrida até lá chegar.
O avô ainda estava levantado, como era seu hábito, quando alguém estava de noite fora de casa. Pouquissímo tempo depois chegou a mãe, tinha visto o primo e ele dissera-lhe que eu tinha dito que me vinha embora, cansada de correr para me apanhar, não me apanhou ela, mas apanhei eu um grande ralhete por ter acreditado na conversa daquele “fala barato”,  uma pessoa que a especialidade dele, como vim a saber mais tarde, quando o conheci melhor, era inventar tretas,  para enganar quem nele acreditasse, criando assim intrigas, sem razão de ser, sendo para ele uma vitória, de que se vangloriava, mas algumas vezes também levou bons enxertos de porrada,  não foi o meu caso por ser um garoto, mas vontade não me faltou.
Casais de Mem Martins 07/11/14                Francisco Parreira

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