ESTÓRIA DE INFÂNCIA
A noite estava demasiado quente, tal como tinha
estado já o dia, como natural era naquela época do ano. Estávamos em Junho, mês
dos santos populares, altura do ano
propícia a festas e bailes ao ar livre, bailes de adiafa pelo remate de um trabalho, bailes de mastro por promessas
religiosas ou mesmo para comemoração dos
próprios santos.
Aquele era um baile de mastro por promessa religiosa, um
mastro enorme com saia grande e bem efeitado com flores e muitos bolos.
Estávamos na Quinta Nova, uma quinta não muito grande, muito
bem tratada e com um lindo jardim repleto de flores, de várias cores e qualidades, destacando--se um lindo roseiral, no ar
pairava um aroma inconfundível. Entre o jardim e o monte, um rua larga
empedrada. O monte uma casa grande, bastante comprida de um só piso, como eram todas em seu redor, caiada de
branco com barras azuis. Ao meio um
portão largo em ferro, a antrada principal.
O mastro estava colocado no centro da rua empedrada,
empedrado este que naquela zona estava coberto de montrastos, fetos, alecrim e
rosmaninho, sobre os quiais era praticado o baile, ao som da música da
concertina.
Os donos da quinta eram pessoas de bem e muito conceituadas
naquele meio rural, tal como bem conceituados eram os quinteiros, os promotores
daquele mastro “ festa de arromba “ , onde por todo o lado haviam pratos com
queijo, choriço, presunto, pão, bolos e bebidas.
Toda a gente das redondezas deve ter ido aquele baile, era
gente por todo o lado, no local do baile quase não era possível passar, devido
ao aglomerado de gente.
Eu e os meus amigos de
oito, nove e dez anos, e outros que se
juntaram a nós, além dos bolos e
pirolitos, queriamos era brincadeira. Com frequência um ou outro ia perguntar as horas e saber dos
familiares, voltando novamente para a brincadeira.
Chegou a hora de eu ir ver da minha mãe, com quem tinha ido e saber as horas, e quando
nos iamos embora.
Quando eu andava no meio daquele gentio a tentar localizar a
minha mãe, vi um meu afastado parente, perguntei-lhe as horas e se tinha visto
a prima, a minha mãe, ele respondeu-me: “ são onze, a tua mãe andou à tua busca
e não te encontrou, pensou que tivesses ido com algum vizinho e já se foi
embora”. Eu admirei-me mas como dei mais uma volta e não a vi, abalei sózinho.
Estava um luar espectacular, logo que me afastei da zona do baile, só a sombra
das árvores, o cantar dos ralos ou o ladrar do cães ao longe me faziam
companhia.
Eu tinha forsosamente que passar por um local, onde diziam que apareciam medos,
contavam-se as estórias mais mirabulantes, era considerado um local medonho,
onde pouca gente passava só, a altas horas da noite. Quanto mais me aproximava
daquele lugar, mais mal me sentia, tinha frio, tinha calor, tinha suor, tinha
não seio o quê, provavelmente aquilo a
que se chama medo. Entrei naquela área chamada paul, uma estrada de maquedame, ladeadas
de frondosos eucaliptos, com tanta ramegem que nem uma luzerna do brilhante
luar ali penetrava. Quando já caminhava na ponte, sobre o ribeiro ouvia correr
a água do meu lado esquerdo, não a via mas sabia que ela lá estava, enchendo um
lavadouro enorme com dez ou doze pedras, onde as mulheres iam lavar a roupa, do
meu lado direito um enormissímo canavial,
neste preciso momento e rodeado por este cenário, no cimo dos eucaliptos
uma coruja, considerada por muitos “ ave
do agoiro “ começa a piar, aquele pio que parece choro, tremi que “ nem varas
verdes “, mas lá passei, já estava proximo de casa e foi numa só corrida até lá
chegar.
O avô ainda estava levantado, como era seu hábito, quando
alguém estava de noite fora de casa. Pouquissímo tempo depois chegou a mãe,
tinha visto o primo e ele dissera-lhe que eu tinha dito que me vinha embora,
cansada de correr para me apanhar, não me apanhou ela, mas apanhei eu um grande
ralhete por ter acreditado na conversa daquele “fala barato”, uma pessoa que a especialidade dele, como vim
a saber mais tarde, quando o conheci melhor, era inventar tretas, para enganar quem nele acreditasse, criando
assim intrigas, sem razão de ser, sendo para ele uma vitória, de que se
vangloriava, mas algumas vezes também levou bons enxertos de porrada, não foi o meu caso por ser um garoto, mas
vontade não me faltou.
Casais de Mem Martins 07/11/14 Francisco Parreira