segunda-feira, 29 de agosto de 2022

 Eu enquanto fumador

Comecei de tenra, o meu avô materno era fumador, ele era o meu ídolo, adorava estar com ele e quando fumava parecia que eu fumava também.

Era eu que quando era preciso ia à venda (taberna) comprar o tabaco, marca superior, onça avermelhada e quando eu conseguia os tostões necessários, comprava um maço com doze cigarros listado de branco e vermelho, marca provisórios, que escondia no buraco do forno do pão, entre a metade do tijolo solta e o trapo que tinha lá sido colocado, embebido em água e cinza, para não deixar sair o calor, enquanto cozia o pão, que ficava seco e duro, formando uma espécie de rolha de pano.

O pior era o cheiro após fumar, arranjava uma esfarrapada desculpa, mas fui expressamente proibido de o fazer “ o fruto proibido era o mais apetecido”.

Quando aos onze anos comecei a ter o meu ordenado, a mãe do ordenado que eu lhe entregava, dava-me algum para pôr no mealheiro, só que nem todo ia para o mealheiro.

Aos catorze anos comecei a trabalhar na vila, como aprendiz de serralheiro civil, passei a dar à mãe uma parcela e ficar com o restante para os meus gastos, de manhã fumava um ou dois cigarros e quando chegava a casa tudo estava normal, também mudei de marca, passei a comprar Paris maço branco com efeitos vermelhos e letras pretas, contendo 20 cigarros, com o preço de 3$10 escudos.

Mais tarde por a profissão de serralheiro ser muito pesada, suja e não termos condições para tomar banho após um dia de trabalho, apesar de gostar de fazer o que fazia, arranjei outro trabalho.

Mudei para a indústria de panificação, onde já tínhamos as condições aceitáveis, fui aprender a padeiro, a trabalhar de noite, pouco tempo depois estava a fumar um maço por noite/dia.

Quando nos anos sessenta do século passado o tabaco foi onerado com o imposto de guerra $50 centavos, passando cada maço a custar 3$60, três escudos e sessenta centavos.

 Quando à noite antes de ir para o trabalho, passei pelo café para falar um pouco com a rapaziada e comprar o tabaco para a noite, apareceu a conversa do aumento do tabaco, eu como resposta disse: enquanto houver tabaco a este preço compro, quando aumentar deixo de fumar. O dono do café perspicaz e amigo, alguns dias depois, quando eu lá entrei e pedi o tabaco, volta-se para mim e diz-me: não tenho tabaco para ti, então eu perguntei porquê? Uma noite destas, mais ou menos onde está hoje, disseste que quando não houvesse tabaco a 3$10 deixavas de fumar, como eu já não tenho tabaco a esse preço, não tenho tabaco para ti, então dê-me uns rebuçados e uma garrafinha com bagaço do bom, foi o que ele fez, paguei e como estava na hora, fui-me embora, no quarto mudei de roupa, guarde a bicicleta.

Quando cheguei ao trabalho que era ao dobrar da esquina e como era habitual o José …., estava a fumar, ele fumava definitivos, cumprimentei-o e perguntei-lhe na brincadeira ainda fumas? E tu já não fumas desde quando? Desde à bocado, quando se me acabou o tabaco ao preço antigo, ele atirou o cigarro e o maço que tinha na mão para dentro do forno que estava a arder, estendeu-me a mão e disse o primeiro que voltar a fumar paga uma grade de cervejas, assim selamos o acordo, sem tabaco como vais passar a noite? Para mim trouxe rebuçados e aguardente,ele saiu a correr e ainda no café próximo arranjou a dose.

Foi terrível essa madrugada a as seguintes, sobretudo a partir das 4h30/5h00, mas valeu a pena, tudo acabou em bem, ainda hoje nenhum de nós pagou a grade de cervejas. Pouco tempo depois eu vim para Lisboa e não mais o vi, ele era mais velho e emigrou para frança, soube mais tarde que faleceu.

Reconheço que eu teria pago a grade de cervejas, pois quando estava a trabalhar no Montijo, apareceu no Tribunal um individuo a vender cachimbos, todos ou quase todos compramos um cacimbo, recomecei a fumar mas cachimbo, não deu para viciar, comprava onças de tabaco gama, bom mas caro, poucos dias depois só já eu tinha tabaco, todos queriam fumar à borla, passei a andar com duas onças uma com gama para mim e outra onde pusera tabaco de onça corrente, mesmo assim não deixavam de me pedir tabaco. Peguei no cachimbo, atirei-o para cima de um guarda-roupa alto que tinha no quarto e acabou-se novamente o tabaco, só de lá o tirei quando vazei o quarto e regressei a Lisboa.

Rio de Mouro 29-08-2022

Francisco Parreira.

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