Eu enquanto fumador
Comecei de
tenra, o meu avô materno era fumador, ele era o meu ídolo, adorava estar com
ele e quando fumava parecia que eu fumava também.
Era eu que
quando era preciso ia à venda (taberna) comprar o tabaco, marca superior, onça avermelhada
e quando eu conseguia os
tostões necessários, comprava um maço com doze cigarros listado de branco e
vermelho, marca provisórios, que escondia no buraco do forno do pão, entre a
metade do tijolo solta e o trapo que tinha lá sido colocado, embebido em água e
cinza, para não deixar sair o calor, enquanto cozia o pão, que ficava seco e
duro, formando uma espécie de rolha de pano.
O pior era o
cheiro após fumar, arranjava uma esfarrapada desculpa, mas fui expressamente
proibido de o fazer “ o fruto proibido era o mais apetecido”.
Quando aos
onze anos comecei a ter o meu ordenado, a mãe do ordenado que eu lhe entregava,
dava-me algum para pôr no mealheiro, só que nem todo ia para o mealheiro.
Aos catorze
anos comecei a trabalhar na vila, como aprendiz de serralheiro civil, passei a
dar à mãe uma parcela e ficar com o restante para os meus gastos, de manhã
fumava um ou dois cigarros e quando chegava a casa tudo estava normal, também
mudei de marca, passei a comprar Paris maço branco com efeitos vermelhos e
letras pretas, contendo 20 cigarros, com o preço de 3$10 escudos.
Mais tarde
por a profissão de serralheiro ser muito pesada, suja e não termos condições
para tomar banho após um dia de trabalho, apesar de gostar de fazer o que
fazia, arranjei outro trabalho.
Mudei para a
indústria de panificação, onde já tínhamos as condições aceitáveis, fui
aprender a padeiro, a trabalhar de noite, pouco tempo depois estava a fumar um maço
por noite/dia.
Quando nos
anos sessenta do século passado o tabaco foi onerado com o imposto de guerra
$50 centavos, passando cada maço a custar 3$60, três escudos e sessenta centavos.
Quando à noite antes de ir para o trabalho,
passei pelo café para falar um pouco com a rapaziada e comprar o tabaco para a
noite, apareceu a conversa do aumento do tabaco, eu como resposta disse:
enquanto houver tabaco a este preço compro, quando aumentar deixo de fumar. O dono
do café perspicaz e amigo, alguns dias depois, quando eu lá entrei e pedi o
tabaco, volta-se para mim e diz-me: não tenho tabaco para ti, então eu perguntei
porquê? Uma noite destas, mais ou menos onde está hoje, disseste que quando não
houvesse tabaco a 3$10 deixavas de fumar, como eu já não tenho tabaco a esse
preço, não tenho tabaco para ti, então dê-me uns rebuçados e uma garrafinha com
bagaço do bom, foi o que ele fez, paguei e como estava na hora, fui-me embora,
no quarto mudei de roupa, guarde a bicicleta.
Quando cheguei
ao trabalho que era ao dobrar da esquina e como era habitual o José …., estava
a fumar, ele fumava definitivos, cumprimentei-o e perguntei-lhe na brincadeira
ainda fumas? E tu já não fumas desde quando? Desde à bocado, quando se me
acabou o tabaco ao preço antigo, ele atirou o cigarro e o maço que tinha na mão
para dentro do forno que estava a arder, estendeu-me a mão e disse o primeiro
que voltar a fumar paga uma grade de cervejas, assim selamos o acordo, sem
tabaco como vais passar a noite? Para mim trouxe rebuçados e aguardente,ele saiu
a correr e ainda no café próximo arranjou a dose.
Foi terrível
essa madrugada a as seguintes, sobretudo a partir das 4h30/5h00, mas valeu a
pena, tudo acabou em bem, ainda hoje nenhum de nós pagou a grade de cervejas. Pouco
tempo depois eu vim para Lisboa e não mais o vi, ele era mais velho e emigrou
para frança, soube mais tarde que faleceu.
Reconheço que
eu teria pago a grade de cervejas, pois quando estava a trabalhar no Montijo,
apareceu no Tribunal um individuo a vender cachimbos, todos ou quase todos
compramos um cacimbo, recomecei a fumar mas cachimbo, não deu para viciar,
comprava onças de tabaco gama, bom mas caro, poucos dias depois só já eu tinha
tabaco, todos queriam fumar à borla, passei a andar com duas onças uma com gama
para mim e outra onde pusera tabaco de onça corrente, mesmo assim não deixavam
de me pedir tabaco. Peguei no cachimbo, atirei-o para cima de um guarda-roupa alto
que tinha no quarto e acabou-se novamente o tabaco, só de lá o tirei quando
vazei o quarto e regressei a Lisboa.
Rio de Mouro
29-08-2022