quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Comunicar é preciso: APROVEITA O CHEIRO DESTAS FLORES.

Comunicar é preciso: APROVEITA O CHEIRO DESTAS FLORES.:     COMO DIZIA  NELSON CAVAQUINHO Sei que amanhã Quando eu morrer Os meus amigos vão dizer Que eu tinha um bom coração Alguns até hão d...

sábado, 11 de outubro de 2014

Zé Ninguém, artista de Circo
A vila foi-se mostrando aos poucos como se ele a descobrisse enquanto crescia. Uma revelação a cada instante para aquela criança!
Zé Ninguém olhava o mar tentando alcançar toda a sua distância. Olhava os navios que chegavam como os marinheiros que partiam. Aliás, a vila foi sempre o seu mundo durante toda a sua pequena idade. Aquele ar tinha o cheiro de vida pura, embora dura.
De olhar mais para o centro da vila viu, de repente, um enorme toldo de muitas cores. Quase não acreditou que pudesse estar ali um circo. A correr dirigiu-se àquele espaço mágico. Logo que chegou àquela praça encontrou um homem, gordo e baixo, a retirar dum saco um par de sapatos enormes que este tinha concertado.
- Mas, senhor, que sapatos são esses? – indagou Zé Ninguém.
- São dum artista de circo, são do Palhaço Zéquinha.
O circo acabava de armar-se quando um ajudante de pista, a mando do proprietário, chegou para levantar os sapatos do palhaço. Depois este e Zé Ninguém aproximaram-se daquele circo, de pano grosso e colorido, ocupando o enorme largo. Dois mastros de ferro sustentavam-no.
Uma entrada apenas e logo apareceu um homem alto e distinto.
- Os sapatos do palhaço, disse o ajudante de pista.
Que aconteceu naquele momento?
O Zé Ninguém viu aquele homem que tinha os sapatos embrulhados e não sabia que estava de frente do Palhaço Zéquinha. Então este perguntou-lhe:
- Tu já viste um circo?
- Já – respondeu ele.
- Assim, sem espectáculo?
- Assim, não!
As bancadas em círculo estavam vazias. O picadeiro em silêncio. Nos fundos, lados opostos aos camarins, as jaulas do leão e do tigre. Também um elefante, pesado e muito manso, parecia como se estivesse adormecido. Estacaram em frente às jaulas e Zéquinha apresentou:
- Meus amigos, estes são alguns dos animais do circo!
Era como uma estranha natureza: mistura de magia e medo, inocência e poder que se reflectia no Zé Ninguém. Depois acrescentou, com um riso a formar-se nos lábios:
- Somos como ciganos, que andamos de terra em terra.
- E que faz o senhor no circo?
- Anda ver. Puxou-o pela mão e retomando às bancadas pediu-lhe que se sentasse.
O Zé Ninguém sentou-se naquela atmosfera mágica: sem vozes e ruídos, olhando aquele espaço enorme, à espera que algo de extraordinário acontecesse naquela pista vazia.
Então as luzes acendem-se e surgem alguns músicos a tocarem um tema musical circense. Zéquinha aparece já com o seu fato de palhaço a tomar o seu lugar no centro da pista, surgindo logo dois companheiro que com ele formam a sua parelha de palhaços e o ajudam nos diversos números cómicos.
- Muito obrigado! – foi tudo o que o Zé Ninguém conseguiu dizer no final daquela deslumbrante actuação.
Depois saiu daquele local. Rua abaixo, aquela imagem artística não lhe largava a mente. Aquela manhã que parecia nunca mais ter fim, mostrava-lhe um largo coberto de caravanas onde se fabricava “o melhor espectáculo do mundo”, com sonhos de mil especialidades, embora à custa de muito trabalho e criatividade.
Depois daquele dia, Zé Ninguém ficou mais rico. Sentia-se alguém, independentemente de continuar na rua, a deambular de lugar para lugar, a dormir aqui e acolá. Mas teve o privilégio de ver o circo por dentro. Teve atenções de honra. Aprendeu a sonhar e agora sabia como deveria ocupar o seu tempo: ser artista de circo. E a rua teve menos um sem abrigo, um Zé Ninguém, porque este acreditou que era possível ser alguém!
Luciano Reis