LIVRO - CAPÍTULO I
Esta história passa-se na aldeia do Barroso, situada a norte de Portugal em Montalegre. Barroso era uma aldeia de ruas estreitas, empedradas e de piso irregular com casas térreas, modestas e em pedra. Esta aldeia, perdida no interior do país não tinha luz elétrica nem água canalizada. Os candeeiros a petróleo davam luz e a água iam buscar à fonte. Em qualquer casa a lareira era um local de convívio e onde também se colocava o fumeiro que dava a todas as casas um aspecto mais rústico. Todas as cozinhas tinham panelas de ferro dispostas por tamanhos e serviam para cozinhar no lume da lareira. A igreja da aldeia, pequena em tamanho, mas rica em ornamentos com bonitos apontamentos em talha dourada. São Lourenço é o santo padroeiro da aldeia e a quem todos os habitantes são devotos. A conservação dos alimentos fazia-se com recurso às salgadeiras. A vida na aldeia era de partilha e vivida em comunidade, o forno, o moinho e o lagar eram prova disso. Os animais viviam livremente na aldeia… era normal ver os animais pelas ruas da aldeia e sempre que isso acontecia era uma animação. As relações de vizinhança eram de amizade e partilha todos se sentiam família. Um lugar de encontro era a taberna que também funcionava como mercearia. Na aldeia ainda havia uma escola primária. A escola era pequena, pintada de branco e tinha apenas uma sala de aula onde estavam as crianças. A turma era mista, da 1ª à 4ª classe, a sala estava decorada como qualquer escola da época. No ano de 1964 houve uma explosão demográfica na aldeia e nasceram 15 crianças. Seis anos mais tarde, em 1970 as crianças entraram na escola onde lecionava a professora Caetana. A professora Caetana era uma jovem rapariga que começara a dar aulas nesse ano. Foi com estas crianças que descobriu o gosto pelo ensino. Era compreensiva e meiga, capaz de ajudar sempre que a procuravam… muitos tinham nela a figura da mãe, outros de uma irmã mais velha… Ao longo dos anos as crianças foram vivendo aventuras… Margarida: Com a professora Caetana eu fiz o meu primeiro piquenique sem o saber. Um dia a professora pediu para no dia seguinte levarmos um prato, um garfo, três batatas e um ovo. No outro dia ela tinha uma caldeira, uma garrafa de azeite e sal. E disse: “hoje não há aulas, vamos para o campo”. Parámos num caminho bastante largo no meio do mato, onde havia uma nascente. Mandou ir buscar duas pedras grandes para pôr a caldeira em cima e alguns rapazes foram apanhar lenha para fazer o lume. Cozeu as batatas e os ovos e distribui-os por todos, comemos com alegria redobrada. Depois toda a tarde brincámos e fizemos vários jogos, cantámos e dançámos. Regressámos á noite, cansados e cheios de pó, mas muito felizes. Natália: A escola primária ficava a uns três quilómetros da minha casa. Eu e as outras crianças à medida que caminhávamos em direção à escola íamos formando um grupo que ia engrossado conforme nos aproximávamos da mesma, composto pelos meus colegas Margarida, Ana Rita, Carolina e o Pedro. Naquelas manhãs em que já tinha chovido e o frio apertava, tudo levava a crer que o caminho seria mais penoso, mas enganava-se quem assim pensava. Para nós era um desafio percorrer algumas das ruas que não eram empedradas, onde as poças de água eram uma constante. Mas se estivessem geladas a alegria ainda era maior. Com as nossas botas de borracha íamos saltando de poça em poça, quebrando a camada de gelo que se tinha formado. Um dia, no meio de grande algazarra provocada pela nossa brincadeira, junto a uma grande poça de água gelada, demos as mãos uns aos outros para saltarmos todos ao mesmo tempo para a dita poça. Eu, ao saltar escorreguei no gelo e fiz com que todos os outros caíssem, uma vez que estávamos agarrados. O objetivo foi conseguido: quebrar o gelo! Mas por debaixo do gelo havia uma quantidade considerável de água e lama onde literalmente mergulhámos, ficando com as roupas todas molhadas e enlameadas. Ficámos aflitos. Quase que em uníssono dissemos: não podemos ir assim para a escola, mas também não podemos ir assim para casa. Então o Pedro, como sempre, na tentativa de resolver os problemas, sugeriu que não fossemos para a escola e ficássemos no campo de futebol a brincar e poderíamos estender as roupas para secarem, uma vez que embora estivesse muito frio a manhã estava soalheira. Assim, com as roupas secas as nossas mães não se aperceberiam nem ralhariam connosco e livrar-nos-íamos de um possível castigo. Lá fomos para casa com as roupas quase secas e na esperança que tudo iria correr como planeamos, mas a lama era tanta que não se descolou da roupa, pelo que depois de várias tentativas inventadas tive de explicar à minha mãe o que realmente aconteceu. Aos meus outros quatro colegas não sei se conseguiram que as mães não se apercebessem, mas eu, fiquei de castigo sem poder ir brincar para a rua com os meus amigos por: ter faltado à escola, por me ter sujado daquele modo e por mentir para encobrir o acontecido. Hoje detesto mentiras. Pedro: Durante toda a minha infância vivi numa casa de onde se via a escola. Nesse tempo era hábito, no final do ano letivo, os nossos pais como forma de agradecimento pelo facto de os professores fazerem de nós uns homenzinhos, enviarem uma pequena lembrança aos professores, normalmente produtos que a terra dava, ou que eles criavam. Havia os que levavam uma galinha, nozes, figos secos, feijão. Enfim o que cada um podia. A minha mãe encarregou-me de levar meia dúzia de ovos, das nossas galinhas, que colocou numa caixa de papel, e tapou com um bonito guardanapo de linho. E, como a nossa casa era muito perto da escola não teve outra preocupação a não ser dizer para eu ter cuidado. Percorri o percurso tão cautelosamente quando a minha tenra idade o permitia, sem qualquer incidente, e sentia-me um herói por levar um presente para a professora. Ao subir o pequeno degrau que dava acesso à entrada da escola escorreguei e caí, o que fez com que a caixa dos ovos caísse também. Claro que se partiram os ovos todos, e eu entrei na escola a chorar, inconsolável. A professora Caetana ao perceber o que me tinha acontecido, veio ter comigo tentando consolar-me, com a doçura que lhe era habitual, explicando que os acidentes acontecem e que temos que saber viver com os imprevistos. Eu ouvi tudo aquilo, percebi o que ela me tentava explicar, mas a minha tristeza era enorme, afinal não era todos os dias que tínhamos a oportunidade de oferecer algo a alguém de quem gostávamos muito. Estava verdadeiramente triste com o que me tinha acontecido. Justiniana: Quando eu frequentava a quarta classe a professora estava a dar a disciplina de história de Portugal fez uma pergunta a um aluno e ele não soube responder então fez a pergunta a outra aluna que também não soube. E continuou a perguntar e ninguém sabia, a professora ficou muito zangada e começou a agitar os braços no ar com o ponteiro na mão e a gritar “burricada geral, burricada geral”. Eu achei aquela atitude da professora tão caricata, que estava muito nervosa, a agitar-se e a gritar e comecei a rir sem conseguir parar. Ela dirigiu-se a mim e deu-me com o ponteiro nas orelhas aos gritos “Aí a menina acha graça?” Quanto mais ela batia mais eu me ria, o riso era nervoso, mas contagiou a sala toda e todos os alunos começaram a rir sem parar. Até a professora impotente quanto à situação também ela se foi sentar à secretária e colocou a cabeça entre as mãos a rir sem conseguir parar. Fátima: No meu primeiro dia de aulas a minha mãe vestiu-me um vestido de chita às flores feito por ela pois era costureira. Levei calçados uns sapatos de lona azul-escuro e um saco de serapilheira onde tinha o livro da primeira classe, um caderno de 2 linhas, um lápis e um afia. Nesse dia a professora explicou-nos as regras da escola, a hora que entrávamos, às 9h e que saíamos ao meio-dia para almoçar. Voltávamos à 1h e saíamos às 3h. Tínhamos o intervalo da manhã e outro à tarde e havia uma sineta que nos avisava quando era altura de entrar ou de sair. Nos intervalos brincávamos muito à apanhada, à macaca, ao jogo do lenço, fazíamos a roda e cantávamos. Gostava muito da minha professora porque era simpática e bondosa evitava dar-nos reguadas, estava sempre bem disposta e explicava sempre que precisávamos. Carolina: No primeiro dia de aulas entrámos na sala e a professora apresentou-se e nós também nos apresentámos. Depois desse momento ficámos a conhecer-nos… Eu sempre fui uma criança tímida e um pouco ansiosa. Antes de nos sentarmos estava uma colega perto de mim e eu perguntei-lhe se podia sentar-me ao pé dela. Disse que sim, eu fiquei contente depois pensei para comigo que já tinha feito uma amizade. Depois de alguns dias achei que ela se identificava com a minha forma de ser. O tempo foi passando e de facto criámos uma amizade. Sempre falámos de várias coisas e trocávamos ideias sobre a possibilidade de ficarmos a viver na aldeia ou viver numa cidade. As histórias que os mais velhos nos contavam faziam com que tivéssemos o sonho de ir até Lisboa. Mário: Para comemorarmos uma data especial decidimos fazer um jogo de futebol com todos os colegas da escola primária. Formámos duas equipas, uma de rapazes e outra de raparigas. Preparámos o jogo e convidámos para assistir os nossos pais, outros familiares e amigos cá da aldeia e como não podia deixar de ser, a nossa querida professora Caetana. O jogo foi muito vivo e divertido. Não vou revelar quem foi a equipa vencedora pois isso não é o mais importante. No final do jogo celebrámos com um delicioso lanche preparado por todos. Rita: Todos nos conhecíamos e brincávamos na rua em liberdade. Fazíamos jogos, brincávamos à macaca, à roda com o lencinho e também muitas vezes jogávamos à bola com os rapazes eu era Maria rapaz e adorava jogar ao pião. Brincava muito com a Teresa as nossas brincadeiras nem sempre acabavam bem. Andávamos sempre a inventar e a imaginação era muita. Uma tarde num largo com algumas árvores resolvemos brincar aos índios e aos cowboys. Quando o índio fosse apanhado era preso ao tronco de uma árvore com um cordel que já tínhamos levado para o efeito até ser substituído por outro índio. Mas nessa tarde prendemos o rapaz de tal forma que não conseguimos tirar o nó e libertá-lo. Ele chorava, gritava e não aparecia ninguém para nos ajudar até que uma vizinha deu pelo alarido e foi ver o que se passava. Voltou a casa e foi buscar uma tesoura e lá conseguiu libertar o índio, não ganhámos para o susto e prometemos que não voltaríamos a brincar aos índios. Ana Rita: Um dia cheguei à escola um bocadinho atrasada, pedi desculpa e disse que a minha mãe tinha adormecido e não me chamou para eu me levantar, mas a professora Caetana olhou para mim e disse: “a menina ao menos lavou a cara?” eu acedi com a cabeça que sim, mas então disse a professora, “porque é que a menina tem a boca toda lambuzada?” Aí eu disse sabe professora eu menti a minha mãe não adormeceu eu é que parei na venda do ti Joaquim e como tinha dez tostões fui comprar um chocolate e vim a comê-lo muito devagarinho pelo caminho. Aí...Aí...disse a professora Caetana: “a menina não sabe que é muito feio mentir? Que não volte a acontecer senão terei que a pôr de castigo, antes de se sentar tome lá um lencinho e limpe a boca”. Vasco: Um dia vinha da escola e lembrei-me que era tempo de figos… E então em vez de ir para casa com os meus colegas decidi fazer um desvio e ir até às figueiras mais próximas… Ao chegar lá comi que me lambuzei, comi, comi, comi até encher a barriga. Já satisfeito decidi regressar a casa, mas ainda não ia a meio do caminho e já me estava a doer a barriga… transpirava por todo o lado… precisava de ir rapidamente para casa para ir à casa de banho. Quando cheguei a casa a minha avó ao ver-me assim perguntou-me o que se passava, ao que eu lhe respondi que tinha estado a comer figos… ela muito aflita gritou: “vai já para a casa de banho, então tu vais comer figos às 3h da tarde com um calor destes?” Serviu-me de emenda… nunca mais comi figos quentes. Parreira: Durante os quatro anos de escola as façanhas foram bastantes, umas agradáveis e outras desagradáveis, de todos elas a que mais me marcou foi desagradável e aconteceu no último ano escolar, eu que muito raramente sentia o peso da régua na palma das minhas mãos, naquele inesquecível dia foram seis reguadas que levei, sem culpa aparente. A senhora professora precisou sair da sala de aula, estávamos a resolver problemas e continuámos. Acabei primeiro que o colega do lado direito, na fila também à direita, apanhou-me distraído, tirou-me o caderno para copiar, pedi-lho e ele não o devolveu. Tentei tirá-lo, voltou-se a mim, rasgaram-se duas folhas. A senhora professora entrou, apanhou-nos à bulha, e sem sequer querer saber o porquê, levamos seis reguadas cada um, e, eu tive que refazer os trabalhos das folhas que se tinham rasgado. Não só eu me recordo desse dia, também ele se deve recordar e de um outro nos dias seguintes, quando o apanhei na rua, num descampado sem ninguém para nos separar. Não sei onde fui buscar tanta ira e força para o esmurrar, dei-lhe uma abada de porrada, como não me lembro de dar outra ou levar, mas poucos dias depois já brincávamos juntos. Senhorinha: Uma vez no tempo da apanha do milho e das desfolhadas andavam todos absorvidos nas suas tarefas. Na entrada da casa havia uma pequena divisão onde as pessoas iam beber o seu copinho de vinho. Era verão, estava muito calor e por ali saciavam a sede. Vi o meu avô empinar o barril para a frente para encher um copo de vinho. Então eu pensei ir tirar vinho para beber, no entanto derivado à minha idade não fui capaz de inclinar o barril para tirar o precioso líquido. Então deitei-me de costas no chão e consegui a inclinação do barril para beber. Quando deram por mim estava um pouco tonta. Francisca: Ofereceram-me nessa altura pelos meus anos, uma boneca com a cabeça em porcelana, o corpo era de uma massa própria para estes brinquedos e era linda, olhos azuis com as pestanas a abrir e fechar. Fazíamos festas com a boneca, passeios, batizados… tínhamos para os eventos, chávenas pequeninas para o chá, que era água com açúcar e as festas só acabavam quando as mães chamavam. Gostávamos de cantarolar as cantigas portuguesas da altura, para se ver quem o fazia melhor, eu ganhei e consegui uma medalha com a canção “Quem Passa por Alcobaça. Teresa: Durante o Inverno, os serões eram à volta das grandes lareiras a ouvirmos estórias do passado, outras inventadas, e outras sobre lendas. Durante o fazíamos bonecos de neve, escorregávamos sentados em sacos de plástico pelos declives e lançávamos bolas de neve uns aos outros. No Verão, fazíamos uma sesta depois de almoço. Quem nos queria ver era na brincadeira, era de manhãzinha ou na tarde já mais avançada até ao pôr do sol. Brincávamos a correr, a esconder, o lenço queimado, nada escapava à nossa imaginação. Um dia aconteceu uma aventura… algo espantoso que chegou até aos jornais de todos o país. Os rapazes, juntaram-se quase todos, arranjaram cada um uma trouxa e puseram os pés a caminho. Deixaram um bilhete escrito para os pais e entre uns que diziam ir conhecer o Mundo, outros diziam que iam até Lisboa conhecer a capital e iriam andar de barco, fosse qual fosse o destino. Os pais preocupados, comunicaram à Polícia e algumas horas depois foram encontrados na carreira que ia até Lisboa. Joana: Num dos dias em que fomos passear preguei uma partida. Levei um embrulho muito bonito e oferecia à professora todo contente meteu a mão para tirar o presente era um cacto coitada ficou com a mão com picos, mas ela até achou graça. Quatro anos depois num dia memorável para todos onde cada um foi vestido a rigor fizeram o exame da 4ª classe. Margarida: Foi diferente, porque as meninas e os meninos vão fazer o exame da 4ª classe. A professora Caetana teve uma conversa connosco para estarmos calmos, porque vai correr tudo bem. Vamos fazer o exame a Montalegre, que é o nosso concelho e a professora foi connosco para nos orientar. Eu estou um pouco nervosa, embora me sinta preparada, mas também muito vaidosa, porque ia estrear dois vestidos. O da prova escrita é cor-de-rosa de organza com florzinhas brancas e o da prova oral é azul de seda também com pequenas flores brancas. Natália: O exame da 4ª classe era uma etapa muito importante na nossa vida. Ou começávamos a aprender um ofício qualquer ou continuávamos a estudar, pelo que tínhamos de sair da nossa aldeia para o efeito. Para marcar este acontecimento as nossas mães vestiram-nos a rigor. Vestia uma saia branca, toda às pregas, uma camisa azul claro com uma fita de veludo azul-escuro em redor do colarinho que formava um laço e um pullover num tom de azul igual á camisa, tricotado pela minha Mãe, em malha de fantasia a que ela chamava “espinha de bacalhau”. Calçava uns sapatos pretos de verniz e meias brancas rendadas até ao joelho, fruto dos trabalhos de tricot que a minha mãe fazia ao serão. Estava muito nervosa por causa do exame, pois achava uma responsabilidade demasiado grande para crianças da minha idade. Sentia a boca seca, tinha comichão ora na cabeça, ora numa mão ou num pé. Por mais que a professora me dissesse para estar quieta eu não conseguia parar um minuto que fosse. A par desta inquietação, outro sentimento me assolava. Sentia-me tão feliz! Não sei se por toda aquela roupa nova que estreava, sem ser Natal, ou por achar que estava a ficar crescida. Pedro: No dia do exame da 4ª classe estava bastante nervoso. Nesse tempo, os exames não eram feitos na nossa escola, mas sim em Montalegre, aonde eu só tinha ido uma vez. Eu era muito bom aluno, mas ia estar frente a frente com professores que eu não conhecia, numa escola também desconhecida. Tudo isto me assustava, mas tentei que isso não me inibisse de mostrar aquilo que sabia. Para esse dia a minha mãe tinha feito uma camisa branca e uns calções azuis-escuros. A minha avó materna comprou-me uns sapatos pretos de verniz, que calcei com umas meias brancas até ao joelho. Nas palavras da minha mãe eu estava lindo, e isso deu-me muita confiança. O exame correu bem e foi um dia de festa. Ao chegar a casa recebi de presente uma bonita caneta de tinta permanente Parker que a minha avó paterna me ofereceu. O dia começou com muita ansiedade, mas acabou com muita alegria. Justiniana: O dia do meu exame da quarta classe foi um dia muito importante na minha vida. Embora me sentisse bem preparada pois dominava bem as matérias que faziam parte do exame. Mesmo assim, sentia-me muito nervosa. Este exame era decisivo para eu continuar a estudar. Uma vez feito este exame passaria para o exame de admissão ao liceu. Nesse dia fui muito apoiada pela minha professora e pelo meu pai. O exame correu bem e passei com um resultado muito bom. Estreei um vestido aos quadradinhos azuis e brancos de saia curta muito rodada, o corpo do vestido tinha na frente com um folho em forma de v que vinha a partir dos ombros e unia a meio da cintura. As mangas eram curtas em balão também rematadas como folho. Também estreei uns sapatos beges com efeitos picotados e uma tira sobre o peito do pé que apertava com um botão de lado. Os sapatos foram confecionados pelo meu pai. Adorava os sapatos e achei que me deram sorte no exame. Fátima: A professora tinha brio de levar os seus alunos a exame e não reprovarem, ela queria que passassem e tivessem bons resultados. Eu ia um pouco nervosa. Nesse dia levei um vestido de cetim cor-de-rosa franzido com mangas de balão feito pela minha mãe. Calcei uns sapatos pretos de pele com fivela e uns soquetes brancos. A minha mãe penteou-me com duas tranças muito lindas com um bonito laço branco em cada ponta e lá fui eu. O exame correu bem e fui aprovada. Carolina: No dia do exame estava nervosa e um pouco tensa, mas sentia-me vaidosa com a roupa que levava. Vestia uma blusa branca com um laço vermelho, saia de xadrez vermelho a prender com um alfinete. Sapatos de verniz e meias brancas até ao joelho. Foi um dia feliz para além de ir muito bonita passei no exame. Mário: Foi um dia especial em que vesti uma fatiota mais adequada. Para isso a minha mãe foi à vila encomendar ao alfaiate um fato de calças e casaco e uma camisa branca. Quando fui buscar o fato e o vesti parecia um pouco mais velho o que me agradou. Para completar comprámos um lindo laço, umas meias e uns lindos sapatos pretos. No dia do exame da quarta classe estava curioso de como seria… estava com medo que fosse difícil, mas a professora Caetana tinha-nos preparado bem. Quando vi a prova fiquei mais descansado, até foi bastante fácil. No fim fiquei aprovado e muito feliz. Ana Rita: O grande dia chegou, acordei bem cedo, a minha mãe tinha-me feito um vestido de cetim branco para eu estrear nesse dia. Eu tinha o cabelo curto com risco ao meio e franja. A minha mãe pôs-me um laço de cada lado igual ao vestido, calçava sapatos pretos que a minha mãe comprou a uma senhora que ia à aldeia vender coisas usadas, mas eram muito bonitos. Eu estava muito bonita, a minha mãe olhou para mim e disse: “estás mesmo linda, filha, vai, vai para a escola que Deus te acompanhe, façam boa figura porque a professora Caetana merece.” Vasco: No dia do exame da 4ª classe estava feliz e com muita vontade de fazer o exame, passar e dar a novidade à minha mãe. Sabia que era a coisa que ela mais queria ouvir… depois de todos os sacrifícios que fez para me deixar estudar e eu não podia deixá-la mal. Assim que acabei o exame e passei corri até ao campo para dar a noticia à minha mãe que emocionada me abraçou e me disse: “estás lindo meu filho, esse fato azul feito à medida deixou-te com um ar de rapaz crescido.” E nessa tarde a minha mãe já não trabalhou mais e fomos para a aldeia. Parreira: Decorridos quase quatro anos escolares, começávamos nós a sentir a pressão, tanto em casa por parte dos nossos familiares, como na escola. Aproximava-se o mês de junho, mês de fazer o exame da 4ª. classe para todos, porque todos tiveram bom aproveitamento. À entrada da sala estávamos silenciosos e nervosos, esperávamos ouvir o nosso nome, para entrar e ocupar o lugar que nos estava reservado. A chamada era feita por ordem alfabética, eu esperava e desesperava por ouvir o nome Parreira que foi dos últimos a ser chamado. Vesti um blazer cinzento, uma camisa azul, um laço creme, um calção cinzento, cinto preto, meias creme e sapatos pretos. Correu muito bem e com aprovação. Senhorinha: No dia do meu exame, acordei cedo, era junho e o sol já ia bem alto. Só podia levar o livro de leitura e a caneta. Tinha que levar a bata branca, bem limpinha e arrumada, botas ou sapatos igualmente limpos e engraxados. Bem penteada, com as tranças bem feitas e com um laço na ponta de cada uma delas, ia nervosa, ao mesmo tempo confiante. Tinha esperança que se passasse no exame, que o meu pai me deixasse entrar para a aula de admissão ao liceu. De facto, eu passei no exame, mas o meu pai entendeu que eu não deveria ir. Fiquei triste, outras colegas seguiram para o exame de admissão. Francisca: No meu exame da quarta classe a excitação da minha mãe pela roupa que teria que mandar fazer era imensa. Mandou fazer um vestido a dona Madalena que era a modista de todas nós lá na aldeia, vestido era de seda natural azul às florezinhas e com cintura descida, laçarotes brancos no cabelo, sapatos pretos de presilha ao lado. Eu ia muito vaidosa. Não ia nervosa pois sentia-me preparada. Correu bem e passei. Rita: Foi assim, de repente já estávamos na quarta classe e a fazer revisões para o grande dia, o do exame. Nós estávamos ansiosos, as nossas mães também, mas por um motivo diferente. Era um dia muito importante para elas, agora os filhos podiam estudar, oportunidade que algumas delas não tiveram. Eu, que sempre fui Maria rapaz acabei por escolher não sei quantos modelos que a minha mãe, claro, não aprovou. Como o dinheiro não abundava tinha de ser simples, mas bonito. Então fomos de autocarro a uma loja que vendia tecidos, a minha mãe ia escolher o modelo e era ela quem o costurava, em casa. Era um tecido branco com flores pequenas, amarelas e verdes, era alegre, eu gostei, comecei logo a imaginar como ficaria, a mãe comprou também uma fita amarela para prender o cabelo. Quando saímos da loja eu parecia que voava, de feliz, e ainda mais que acabei por ganhar também uns sapatos, eu nem acreditava, parecia um sonho, a maria rapaz transformada em menina de um conto de fadas. E foi um nervosismo até ao dia do exame, não dava descanso à minha mãe: que estava atrasada, que o vestido não ia ficar pronto a tempo, até que ela me disse que se eu não sossegasse então é que não fazia nada. Obedeci, só vi o vestido no dia do exame. Estava lindo, saia rodada, mas pouco, mangas de balão com um folhinho, e na cintura uma fita amarela igual à do cabelo que foi apanhado com um laço, e meias brancas com os sapatos novos. Agarrei-me à minha mãe e dei-lhe um grande abraço e beijinhos. Ah, passei no exame. Teresa: Eu estava preparada, mas como era o meu primeiro exame, sentia-me ansiosa. A minha mãe procurava acalmar-me e dava-me algumas explicações sobre o que ela tinha feito. Como já tinham passado muitos anos sobre o dela, deveria haver algumas diferenças. A minha mãe chamava-se Carlota, ela era fisioterapeuta, trabalhava em Montalegre e muitas vezes também tratava em casa as pessoas da nossa aldeia. Vivíamos todos em casa da minha avó Matilde que era viúva, e , acabávamos por fazer companhia umas às outras. O meu pai, como era médico do exército, estava mais tempo em Angola na guerra, do que em casa. A avó Matilde tinha umas mãos de ouro, foi ela que fez o meu vestido para o exame da 4.ª Classe. Costumava fazer-me vestidos lindos e estava sempre a dizer em tom de brincadeira que eu era uma altona, saía ao meu pai, o seu grande orgulho e assim precisava de muito mais pano, dizia isso com um sorriso rasgado. O vestido era num tecido de bordado inglês na parte de cima, com um decote redondo, com mangas compridas no mesmo tecido e com uma saia plissada até meio da perna. A minha mãe tinha comprado uns sapatos brancos que estavam na moda e umas peúgas também brancas com um folhinho por cima. E lá fui toda vaidosa. O exame foi mais ao menos como a minha mãe contava. Os nervos afinal até foram poucos, achei muito fácil. Prova disso é que tive uma excelente nota. A minha mãe ofereceu um lindo ramo de flores à professora Caetana. Afinal dizia a minha mãe, era devido a ela que eu era uma boa aluna. A minha mãe surpreendeu-me com uma carta que o meu pai tinha mandado para esse dia, dizendo que eu era o seu maior orgulho. No envelope vinha ainda um lindo fio de ouro com uma medalha do feitio de um coração, onde estava escrito, lembrança dos pais. Joana: No dia do exame da quarta classe todos íamos bonitos, mas eu ia linda para mim…. Levava um vestido cor-de-rosa com saia em godês, meias cor-de-rosa sapatos pretos de verniz e um grande laço no cabelo. O vestido foi a modista Madalena que fez. Com sorte todos ficámos bem. Assim, que terminaram os exames todos regressaram à aldeia onde fizeram uma grande festa com comida partilhada e muita música que tocava no gira-discos. Os anos passaram e cada um fez a sua vida…, mas 50 anos depois o caminho de todos voltou a cruzar-se. A professora Caetana pelo carinho que tinha aos seus alunos escrevera e enviara uma carta pedindo que estivessem presentes aquando do seu funeral. E assim aconteceu, regressados à aldeia para as cerimónias fúnebres de homenagem à professora Caetana reuniram-se todos na escola e na antiga sala. Ali… todos se olharam com emoção e partilharam a sua história de vida ao longo dos últimos 50 anos…